Noites com Clarice
Digam o que digam, mas Clarice
era uma senhora de si mesma. Não tinha papas na língua, digo nas linhas. Ele
não gostava de Nova York, ao contrário dos apaixonados pela cidade. Os que
gostam, que continuem gostando. Mas, Clarice era taxativa: essa cidade não é
minha, é vaga e inorgânica.
Também não espere que Clarice vá
concordar com os sabichões da época, como Érico Verissimo. Ela tinha a sua
sala, quadrada, e isso era tudo o que ela precisava. Ele tinha um compromisso
com os seus textos, antes, porém, com as ideias e com as palavras que ela
julgava importante escrever. Clarice era Clarice.
Clarice era assustada com a raça
humana, por isso fugia para a sua solidão. Ela e seus textos e na solidão de seus
textos ela nunca estava só. Clarice era simplesmente Clarice. Ela sabia que a
achavam chata, mas não tinha nenhuma intenção de mudar. Clarice era Clarice e
isso era o que ela era.
Clarice não era afeita a amizades,
mas Mafalda, a esposa de Erico era a sua amiga. Não por escolha, mas por
contingência e essa era a melhor escolha. Passavam as tardes juntando as suas
solidões. E isso era para lá de divertido e que rendia muitas linhas em seus
textos. Entre todas as amigas Mafalda era a melhor, não que fosse intelectual,
mas sabia ouvir.
O que mais Clarice gostava de
falar era do seu passado, das suas origens e das peripécias de sua família.
Clarice gostava de falar de sua saúde, queixava-se dela, mas tudo ficava em
ordem quando tomava os seus calmantes. Essa era Clarice, intensa e profunda,
mesmo que no poço dos seus sentimentos, a água era amarga e insalubre.
Todas as noites, quase todas, eu
bebo um pouco de Clarice. Como eu poderia aturar esse mundo sem um pouco da amargura
de Clarice? Ela sabia, como ninguém, desdenhar as coisas comuns a que somos
obrigados a engolir. Sem Clarice, as minhas convulsões emocionais seriam
mortais.
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