Noites com Clarice

     Gilberto B. da Cunha 
     Psicólogo CRP 07/21456

    Digam o que digam, mas Clarice era uma senhora de si mesma. Não tinha papas na língua, digo nas linhas. Ele não gostava de Nova York, ao contrário dos apaixonados pela cidade. Os que gostam, que continuem gostando. Mas, Clarice era taxativa: essa cidade não é minha, é vaga e inorgânica.

    Também não espere que Clarice vá concordar com os sabichões da época, como Érico Verissimo. Ela tinha a sua sala, quadrada, e isso era tudo o que ela precisava. Ele tinha um compromisso com os seus textos, antes, porém, com as ideias e com as palavras que ela julgava importante escrever. Clarice era Clarice.

    Clarice era assustada com a raça humana, por isso fugia para a sua solidão. Ela e seus textos e na solidão de seus textos ela nunca estava só. Clarice era simplesmente Clarice. Ela sabia que a achavam chata, mas não tinha nenhuma intenção de mudar. Clarice era Clarice e isso era o que ela era.

    Clarice não era afeita a amizades, mas Mafalda, a esposa de Erico era a sua amiga. Não por escolha, mas por contingência e essa era a melhor escolha. Passavam as tardes juntando as suas solidões. E isso era para lá de divertido e que rendia muitas linhas em seus textos. Entre todas as amigas Mafalda era a melhor, não que fosse intelectual, mas sabia ouvir.

    O que mais Clarice gostava de falar era do seu passado, das suas origens e das peripécias de sua família. Clarice gostava de falar de sua saúde, queixava-se dela, mas tudo ficava em ordem quando tomava os seus calmantes. Essa era Clarice, intensa e profunda, mesmo que no poço dos seus sentimentos, a água era amarga e insalubre.

    Todas as noites, quase todas, eu bebo um pouco de Clarice. Como eu poderia aturar esse mundo sem um pouco da amargura de Clarice? Ela sabia, como ninguém, desdenhar as coisas comuns a que somos obrigados a engolir. Sem Clarice, as minhas convulsões emocionais seriam mortais.

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